O homem é o único animal que cuida e alimenta outras espécies. Esta relação, que a princípio pode parecer não muito vantajosa para os seres humanos, foi na verdade preponderante para a evolução humana. É o que diz o artigo publicado pela paleoantropóloga da Penn State University Pat Shipman na edição de agosto da revista especializada Current Anthropology.
“Em todos os povos, as pessoas estão especialmente ligadas com os animais e isto não é de hoje”, disse ao iG Shipman. Ela conta que passou a estudar a relação entre humanos e animais de estimação, justamente após se questionar como em um mundo tão grande e com pessoas tão diferentes, os animais de estimação estão sempre presentes nos lares, independente da cultura e situação econômica. “Nenhum outro animal faz isto, cada vez que se dá alimento ou atenção a um animal de estimação é algo que a própria cria deixa de receber”, disse.
Shipman sugere que esta conexão foi motivada pela invenção de instrumentos de pedra há 2,6 milhões de anos. Com a fabricação de ferramentas, o homem passou a comer carne e teve que caçar e competir com predadores muitas vezes mais fortes e ferozes com ele.
A paleoantropóloga levanta a hipótese de que foi a capacidade de observação dos humanos – e o interesse em conhecer a rotina de suas presas ou concorrentes – que lhes deu vantagem adaptativa. Obtendo informações sobre outras espécies, o homem poderia vencer seus concorrentes pelo alimento. Segundo sua teoria, com o tempo a quantidade de informações obtidas com as observações foi crescendo e a divulgação delas entre membros de um mesmo grupo foi fundamental inclusive para o desenvolvimento da linguagem.
Ela ressalta que desde as primeiras pinturas ou esculturas da pré-história, animais e seus hábitos eram retratados. “Outros temas potencialmente vitais – plantas comestíveis, água, ferramentas ou armas, ou as relações entre seres humanos – são raramente ou nunca demonstrados”, disse. Ela acredita que tamanha desproporção comprove que a linguagem simbólica venha da conexão com outros animais.
Shipman conclui que a informação sobre os animais tornaram-se tão vantajosas que nossos ancestrais começaram a alimentar os animais selvagens – uma prática que levou à domesticação do cão cerca de 32.000 anos atrás.
O estudo da paleoantropóloga contraria a teoria tradicional de que a domesticação foi usada como uma maneira de assegurar o abastecimento regular de carne. Para ela, o principal ímpeto da domesticação era transformar animais que haviam sido observados por milênios em instrumento para algumas tarefas domésticas, como proteção, tração, auxílio na caça, controle de pragas, produção de lã e leite para só então, mais tarde, usar a carne como alimento.
Independente do que motivou o homem a domesticar animais, o fato é que trata-se de uma relação estável. “É uma relação profunda e que vai continuar. Se notarmos hoje, mesmo pessoas pobres, que não têm muito que comer, tem animais de estimação e até o consideram como membro de suas famílias. Além disso, inúmeros estudos revelaram benefícios para a saúde de quem tem bicho de estimação”, disse ao iG. Pat Shipman vai lançar um livro explicando a relação ancestral de humanos e bichos de estimação.