De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil existem 24,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual – 14,5% da população. No Distrito Federal, o Censo revelou que cerca de 190 mil pessoas possuem a deficiência. Nesta semana, em que se comemora o Dia do Deficiente Visual, além do preconceito, deficientes de Brasília reclamam da falta de programas direcionados aos cegos. Um exemplo é o Projeto Cão Guia de Cego, que já foi visto como modelo para o restante do País, mas funciona a passos lentos devido à falta de recursos.
O projeto foi criado em 2002 por meio da Lei Distrital n° 2996 e tem como finalidade adestrar cachorros para conduzir os cegos pelas as ruas, facilitando a locomoção e garantindo a autonomia das pessoas com deficiência. A lei estabelece que a entidade responsável pela execução da ação é o Instituto de Integração Social e de Promoção da Cidadania (Integra). Mas o problema constatado por muitos deficientes visuais é a longa espera em se conseguir um cão. Ronaldo Ribeiro Baltazar conta que desde 2008 espera na fila para receber um cão guia, mas até hoje não se tem nenhuma posição sobre quando será disponibilizado o cachorro. “Ter um cão desses facilitaria muito a minha vida. Só que até o momento não se tem nenhuma resposta, e a informação que tenho é no ano passado apenas dois cães foram disponibilizados, já até desisti”, relata.
A coordenadora do Projeto Cão Guia, Michele Poctker, explica que havia um convênio firmado com Instituto Candango de Solidariedade (ICS), responsável por despesas como o pagamento do salário do pessoal. Com a extinção do ICS, o convênio foi cancelado e o Projeto Cão Guia passou a receber pequenas doações esporádicas de empresas e pessoas físicas. Ela diz que o projeto também recebia o apoio de alguns deputados, que através de emendas parlamentares disponibilizavam verbas para a manutenção da instituição. No entanto, há dois anos não foi feita nenhuma movimentação na Câmara Legislativa voltada ao projeto. Devido ao problema, há um ano e meio as incrições para se conseguir um cão foram canceladas.
O banco de dados do projeto possui cerca de 300 pessoas cadastradas e a instituição tem conseguido entregar apenas quatro cachorros por mês. Michelle explica que um cão guia leva em torno de dois anos para ser preparado e adestrado, o que gera um custo em média de R$ 25 mil a R$ 30 mil. Ela explica que nem todo o deficiente visual está apto a ter um cão. É fundamental ter orientação e mobilidade. Para isso, se faz necessário que que o cego participe dos treinamentos e adaptações com os cães em uma estrutura montada que abriga o projeto no DF. Desde a sua criação, o projeto atendeu a cerca de 30 pessoas, porém a estrutura montada do projeto tem capacidade de entregar até 25 cães por ano, basta que se tenham recursos. “São gastos com veterinário, combustível para o veículo trasportar os animais, exames e funcionários, ou seja, sem um patrocínio e apoio, não há condições de efetuar o trabalho”, contou.
O Projeto Cão Guia é uma iniciativa pioneira no Brasil e na América Latina no adestramento de cães para pessoas com deficiência visual. A iniciativa conta com um complexo de treinamento, que dispõe de maternidade, centro veterinário, área de lazer para os animais, área com simulação de uma mini cidade, além de alojamento para os cegos que participam dos treinamentos e adaptações com os cães. O objetivo do projeto Cão Guia é proporcionar aos deficientes visuais mais autonomia e independência em suas relações na sociedade e no mercado de trabalho, promovendo a inclusão social.
A lei
A Lei Distrital n° 2996/2002 estabelece que “o portador de deficiência visual (cegueira ou baixa visão) tem o direito de ingressar e permanecer, acompanhado de seu cão-guia, em quaisquer locais públicos”, como órgãos públicos, comércios, igrejas e no transporte público. O artigo 2º trata especificamente a respeito do projeto Cão-Guia: “A comprovação de treinamento do usuário do cão-guia será feito pelo Instituto de Integração Social e de Promoção da Cidadania – Integra, organização não-governamental, conveniada ao Distrito Federal e detentora de exclusividade do processo de produção de filhotes, de treinamento de cães-guias, de sua disponibilização ao deficiente e acompanhamento integral do programa”.
Preconceito – O maior problema
Além de lidar com a falta de acessibilidade, a maior parte dos cegos convive com o que considera ser o principal problema: o preconceito. Eduardo Gomes da Silva, 33 anos, cego há sete anos, sabe muito bem o que é isso. Desempregado há a três anos, ele acredita que o preconceito é o principal fator de não conseguir uma vaga no mercado de trabalho. “Já distribuí currículo em várias empresas, mas ninguém me chama. O deficiente visual, além de lidar com a doença, tem que lidar com o preconceito”, relata.
Thiago Fernandes Duarte, 30 anos, também vê o preconceito o principal desafio a ser enfrentado. “Desde que perdi minha visão em um descolamento de retina, aos 22 anos, venho sofrendo para conseguir trabalho. É muito ruim ter que lidar com essa situação. No início fiquei depressivo, e estou aprendendo a lidar coma situação no dia a dia, mas não é fácil”, destacou.
Para o presidente do Instituto Nova Visão, Antônio Leitão, a visão é um dos sentidos que ajuda a compreender o mundo. Quando a pessoa passa a não enxergar, o mundo “desaba”. “É justamente nessa hora que o cego necessita de uma atenção maior da sociedade e não de preconceito, mas, ao invés de encontrar atenção e carinho, se depara com o preconceito da sociedade.”, desabafa.
A deficiência visual é a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos, com caráter definitivo, não sendo susceptível de ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes ou tratamento clínico ou cirúrgico. São duas as principais formas: a congênita, contraída no nascimento, e a adquirida, ocasionada por traumas oculares, catarata, diabetes, e outras lesões.