Coisas de cachorro

É notório o sucesso que fazem as coisas de odor repugnante na vida dos cães. Impressiona a atração desses animais pela matéria em decomposição e demais porcarias.

O focinho, com aparelho cheirador privilegiado, está sempre metido em lugares pouco atraentes a outros bichos.

Questiono até se o olfato poderoso não seria responsável pela distorção dos cheiros, tornando-os agradáveis aos narizes caninos. Da mesma forma, se cheirássemos, nós humanos, com tantas vezes mais sensibilidade como os cachorros, talvez dividíssemos com eles o prazer de saborear o mau-cheiro que, aliás, é possível que nem fosse tão mau assim.

Considerações filosóficas à parte, fato é que nada escapa ao crivo olfativo dessas dóceis criaturas. Irritantes, todavia, quando, após um banho, escapam para deitar e rolar sobre o primeiro dejeto encontrado nas cercanias. Nem é aconselhável, nesses momentos, fornecer explicações científicas ao dono, com semblante entrecortado de raiva.

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E verdade seja dita, mesmo bem alimentado, um cão nunca resiste, por exemplo, a um bom e gordo saco de lixo. Deve-se a ele, diga-se de passagem, a invenção da lixeira, aparato criado para manter num plano mais alto, longe de seu alcance, os detritos domésticos ensacados, que aguardam o recolhimento. Segurança, porém, colocada à prova em lugares ermos como lá onde moro, de muito verde, em que a altura delas é facilmente vencida por urubus (covardia) que disputam com a comunidade canina o direito de despedaçar o plástico e espalhar a sujeira. Aquele, habituado que é ao miasma, não nega sua atração pelo material fedorento, claro.

Um terceiro animal, entretanto, deixa boquiaberto quem o vê rodeado de suculento capim, sucumbir à delícia de também disputar a posse do lixo, aproveitando-se até do seu tamanho para intimidar o adversário e arrancar dele gostosos nacos de comida azeda. É isso mesmo, o cavalo! Dia desses, fui obrigado, inclusive, a perseguir um belo exemplar da espécie para obrigá-lo a restituir à lixeira um saco plástico, embalagem que contivera qualquer coisa, cujo aroma aguçara seu paladar. Não que eu pretendesse guardá-lo novamente; meu intuito era tão somente evitar que o bicho o engolisse, já que mastigava com dificuldade o polímero, engasgando, volta e meia, quando aquilo começava a sufocá-lo, metade na boca, metade na goela. Apavorado, cheguei a segurar a cara enorme, na vã tentativa de resgatar o objeto que, finalmente, depois de muita luta, foi jogado ao chão. Que alívio!

Carece, sem dúvida, de prática o cavalo. Talvez aprenda com cães e urubus, que petisco mesmo, só o que cheira mal.