Bauru – Aprovada em março de 1999 pela Câmara Municipal de Bauru, a Lei nº 4430 proíbe a circulação de cães de raças consideradas ferozes nas via públicas da cidade sem o uso de corrente e focinheira. A punição para quem não cumprir a legislação é a apreensão do animal e uma multa de R$ 1.000 para retirá-lo. O valor dobra em caso de reincidência. Mas, após 13 anos, o texto nunca foi regulamentado e a prefeitura nunca fiscalizou.
Por conta de uma brecha no texto – que não determina de forma explícita qual órgão do município é o responsável pela fiscalização do cumprimento (ou não) da determinação – o resultado não poderia ser mais problemático: ninguém, de fato, controla o uso dos equipamentos de segurança.
“Eu sempre caminho e a situação mais comum que tenho visto são esses cachorros conhecidamente agressivos sendo levados apenas com a coleira, mas quase nunca com o uso da focinheira”, queixa-se a bióloga Sueli de Fátima Madeira, 54 anos. Apesar de nunca ter presenciado nenhum tipo de ataque ou situação de risco por conta da falta dos equipamentos de segurança, Sueli admite que se preocupa com essa “liberdade” dada aos cães. “Não tem como não ficar atentada. Hoje eu estou passeando com meu Lhasa apso, mas eu até evito de ficar com ele na rua para não ter problemas”, completa.
O advogado Carlos Eduardo Cury, que caminha todas as sextas-feiras na avenida Getúlio Vargas, reitera o clima de insegurança pela falta do uso de focinheiras. “Nas vezes que eu cruzei com animais dessas raças ferozes, não me recordo de nenhum situação que eles estivessem respeitando a lei”, ressalta.
O Jornal da Cidade entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Bauru para obter a quantidade de autuações que foram feitas com base nessa lei durante o ano de 2011. No entanto, ao invés de fornecer os dados a administração admitiu não executar a fiscalização.
“Diante dessa lacuna, o secretário Municipal de Saúde Fernando Monti, acredita ‘que com a criação do Conselho Municipal de Proteção aos Animais, seria esse um assunto de grande importância a ser discutido pelo órgão’”, afirmou em nota.
Primeiro momento
O uso da focinheira é uma, dentre as muitas questões e problemas que estão sendo absorvidas pelo Conselho Municipal de Proteção aos Animais, empossado há um mês. Para a presidente do órgão, Beatriz Schuler, é fundamental que a sociedade faça essa discussão e participe da elaboração de uma possível solução. “Num primeiro momento, podemos orientar as pessoas que fotografem quando se depararem com essa situação e, até mesmo, acionem a Polícia Militar”, sugere. No entanto, apesar da boa vontade do órgão de ajudar a resolver a situação, que se arrasta por mais de uma década, ainda é cedo para cobrar uma solução definitiva. “Na nossa próxima reunião, marcada para quinta-feira, vamos fechar nosso regimento interno para, aí sim, começarmos a agir”, explica Beatriz.
Mesmo sem fiscalização há proprietário que respeita a lei
Por uma questão de segurança e também de respeito à legislação, o empresário Rodney Sanches, 55 anos, passeava na tarde do último domingo com seu rottweiler “Touro”, no calçadão da Getúlio Vargas, usando tanto a focinheira quanto a guia. Isso, no entanto, não é comum.
“Duas guias, na verdade”, fez questão de ressaltar. “Mesmo que o animal seja dócil no convívio familiar e no habitat que ele está acostumado, por uma questão de prevenção e seguridade utilizamos os equipamentos”, explica. Com relação à fiscalização, apesar de não ser contrário, o empresário acredita que se as pessoas se conscientizarem e cumprirem o que determina a lei, se tornaria praticamente dispensável colocar pessoas apenas para checar esse ponto.
“O problema é que é comum ver os animais caminhando com seus donos sem nenhum cuidado”, aponta. “Tanto que quando as pessoas percebem que o ‘Touro’ está com a focinheira até me elogiam… Esse não deveria ser o comportamento de todos”, indaga.
Lei 4430/99
Artigo 1º: Fica proibida a circulação de cães ferozes nas vias públicas do Município, exceto se presos em corrente conduzido por seus donos e com focinheira colocada na boca.
Artigo 2º: Estão na categoria de cães ferozes, os das raças Rottweiller, Pit-Bull, Mastin Napolitano, Dobermann, Fila brasileiro e outros cujo potencial de ferocidade for comprovada.
Artigo 3º: A transgressão desta lei importará na apreensão do animal pela fiscalização municipal e sua liberação, no canil do Município, custará a importância de R$ 1.000,00 e o dobro em cada reincidência.
De contravenção à reparação
Além da lei municipal que obriga o uso de focinheira, o delegado titular do 1º. DP, Dinair José da Silva, responsável pela Delegacia Ambiental de Bauru, reforça que a omissão de cautela na guarda ou condução de animais também configura uma contravenção penal. Nesses casos, a pena pode variar de uma prisão simples, de 10 dias a 2 meses ou multa.
“Pelo artigo 31 da lei das contravenções, quem deixar esses animais em liberdade ou confiar a guarda de pessoa inexperiente, como uma criança, pode responder penalmente por seus atos”, explica Dinair.
“Mas também existem outras análises. O responsável pode ser enquadrado por uma possível lesão corporal que esse animal pode causar em outra pessoa – variando de leve, grave, gravíssima ou até da morte”, completa o delegado. “E, numa outra possibilidade, alguém que seja atacado por um cachorro em alguma das situações citadas anteriormente também poderia processar o dono do animal civilmente, por exemplo, para exigir reparação de danos referentes a cirurgias plásticas ou dias afastados do trabalho”, finaliza.