Em Portugal, há animais de companhia que, embora tenham microchip, não constam em nenhum das duas bases de dados existentes. O que significa, em teoria, que um animal microchipado, que seja capturado por um Centro de Recolha Oficial pode vir a ser abatido. Este não é, porém, o único problema que se coloca. Se o animal não está registado, embora tenha microchip, não é possível identificar o dono e responsabilizá-lo pelo seu abandono ou pelos danos que este possa provocar a terceiros.
A Direção-Geral de Veterinária, responsável pela base de dados oficial, o SICAFE (Sistema de Identificação de Canídeos e Felídeos), reconhece “algumas falhas”, mas remete a responsabilidade para os donos dos animais que não procedem ao seu licenciamento na junta de freguesia da área de residência (uma obrigação legal) e ao fato de muitas juntas de freguesia (responsáveis pela introdução dos dados no SICAFE) não “disporem de capacidade logística para o fazerem”. Ou seja, não têm ligação à internet ou nem sequer computador. O que significa que mesmo que um dono peça a licença de um animal microchipado, os dados podem nunca chegar a ser introduzidos na base de dados de identificação.
Há ainda um outro cenário possível: um animal microchipado encontrado a vaguear, mas cujo registo não esteja nas bases de dados de identificação, pode ser dado para adoção. É preenchida nova ficha, com os dados do adoptante, mas o número do microchip permanece o mesmo. “Se o anterior proprietário mais tarde o conseguir localizar através do número do microchip, podem colocar-se questões relacionadas com a propriedade desse animal”, referiu, ao JN, Bruno Rolo, do Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários, detentora de uma das bases de dados, o SIRA (Sistema de Identificação e Resgate de Animais).
Para Pedro Sarsfield Rodrigues, da sociedade de advogados Sousa Guedes, Oliveira Couto & Associados, num caso destes, tanto o dono como o acolhedor são titulares de alguns direitos. “O primeiro dono do animal (que se perdeu) promoveu, como era, aliás, sua obrigação, enquanto detentor, a identificação deste. O que sucedeu foi que o seu animal de companhia se perdeu (sem que, para tal fato, o seu dono tenha contribuído) e foi acolhido por um terceiro que, como o inicial detentor, assegurou o seu registo”, explica, por e-mail.
“A única diferença é que, agora, os elementos de identificação do animal se encontram coligidos na base de dados nacional. No que para o caso importa, a omissão da introdução dos elementos de identificação do animal não pode ser imputada ao original dono, mas sim à junta de freguesia, pelo que é aquele o dono efetivo do animal acolhido”, continua, acrescentando: “De fato, o primitivo dono do animal nada fez para que deixasse de o ser, motivo pelo qual, entendo, não pode perder essa qualidade. Ainda assim, parece que o acolhedor do animal se tornou titular de alguns direitos que merecem tutela jurídica, pelo que, num cenário destes, entendo que o lesado poderia demandar a junta de freguesia, com vista a obter a reparação dos danos que eventualmente tenha sofrido”.
Tanto o Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários, como a Ordem e a Associação Nacional de Médicos Veterinários Municipais defendem que a introdução dos dados no SICAFE deveria ser da responsabilidade destes profissionais. Em Fevereiro de 2009, a então subdiretora Geral de Veterinária, em declaração ao semanário Expresso, adiantava que as juntas de freguesia iriam deixar de ser responsáveis pela gestão da base de dados, mas, dois anos depois, tudo permanece igual. Em resposta ontem enviada ao JN, a Direção-Geral de Veterinária reconhece que “a pretensão dos médicos veterinários é válida”. “A mudança pretendida está em análise e a demora prende-se pela necessidade de alteração do diploma legal que define o Sistema de Identificação de Canídeos e Felídeos, assim como das implicações no sistema informático”, pode ler-se no e-mail.
Acrecenta a DGV que que se encontram registados no SICAFE 380.905 animais, dos quais 0,06% são gatos e os restantes cães.