De cada quatro cachorros do mundo, três não têm dono. E esses animais, independentes, se aproximam dos humanos porque querem, não porque precisam
Há um cachorro no mundo para cada sete humanos. De acordo com estimativas mais recentes, a população mundial de cachorros fica em torno de um bilhão. Mas mais de dois terços destes animais vivem como cachorros vadios. 750 milhões deles habitam as ruas de grandes cidades e as áreas rurais, mas não são cães de estimação.
De acordo com pesquisadores da Universidade de Chicago, esta realidade está mudando estes cães. Os pesquisadores Raymond e Lorna Coppinger, da Universidade de Chicago, passaram cerca de 20 anos estudando o comportamento de cães de rua do mundo todo.
Eles descobriram que esses cães se comportam de maneira muito próxima aos primeiros cachorros da história, que se aproximaram de bandos de humanos nômades para coletar lixo: restos de comida, fezes humanas e caça. Eram animais independentes do contato humano, como são os cães vadios do mundo hoje – que se aproximam de humanos porque querem, não porque precisam.
Esses cães não precisam do contato com seres humanos para se alimentar, sobreviver e viver bem, com saúde. “O cão consegue viver isolado. Ele não precisa do contato físico do humano, ele precisa dos restos de alimento para sobreviver”, disse ao Nexo a veterinária Carolina Rocha, especialista em comportamento animal. Quando o animal não encontra restos de lixo, acaba caçando pequenos roedores ou até comendo a própria cria. Mas não passa fome, nem frio.
Cães vadios modernos compreendem melhor a linguagem corporal e a comunicação do ser humano
“Não se trata de uma mudança genética, geneticamente esse cachorro é igual ao animal em casa. Mas é uma mudança ontogênica [comportamental] – como ele nasceu na rua e vem de uma linhagem da rua, ele tem um aprendizado diferente e isto mudou seu comportamento em larga escala”, conta Carolina.
Para ela, estabelecer contato com esse cão é mais uma necessidade humana do que do próprio cão. “Se o cachorro busca contato com pessoas é porque ele quer – e não por fatores de sobrevivência. Gostamos de pensar que ele precisa disso, mas o cão consegue viver sozinho”, afirma Raymond Coppinger, o pesquisador da Universidade de Chicago, diz que “é o cachorro [de rua] que adota o humano”.
Como são e como vivem os cães vadios quase selvagens
Estes cães, resultados de anos de cruzamento aleatório entre cães de rua, vivem em matilhas. Costumam pesar por volta de 15 quilos, têm pelagem dourada e são poligâmicos: uma ninhada pode ter vários pais. Também não há o conceito de hierarquia de ‘macho alfa’ – eles alternam os papéis de liderança entre si dependendo da atividade que estão desempenhando.
“São cães mais dóceis, de olhos mais redondos [do que os primeiros cães da história], porque são frutos de milhares de anos de cruzamentos. Padrões que os seres humanos gostam mais foram selecionados artificialmente. E esse cão [vira-lata moderno] compreende melhor a linguagem corporal e a comunicação [do ser humano].”
Carolina Rocha
Veterinária especializada em comportamento animal
Outra característica parecida com os cães da era paleolítica são as diferentes relações com seres humanos. Alguns conseguem alimento sozinhos, mas são ‘adotados’ por humanos para passar a noite. Outros são alimentados por uma vizinhança mas dormem ao ar livre.
Estes cachorros dependem principalmente da produção de lixo. Raymond Coppinger calculou que o lixo produzido regularmente por 100 pessoas é capaz de sustentar a alimentação de cerca de sete cachorros de rua.
Por isso, o pesquisador sugere que problemas de saúde pública geradas pelo excesso de cães de rua – como epidemias de raiva, por exemplo – são melhor resolvidos com controle da produção e descarte de lixo.