Um barulho alto, uma visita estranha, um passeio na rua. Para eles, qualquer coisa é motivo de escândalo. Mas cachorros que vivem com medo de tudo não são somente um incômodo para os donos. Esses animais sofrem uma grande dificuldade de socialização e vivem sob constante estresse — o que pode prejudicar sua qualidade de vida. Para evitar constrangimentos, mordidas e até problemas de saúde, cabe aos proprietários buscar um profissional para descobrir a raiz do trauma e corrigi-lo.
Quando Natália Cardoso, 23 anos, decidiu adotar um bichinho, optou por acolher um animal que realmente precisasse. A escolhida foi Sookie, uma vira-lata que, apesar da pouca idade, já havia vivido uma história nada agradável — foi vítima de maus-tratos. As mudanças de personalidade começaram a incomodar aos seis meses de idade, quando ela foi levada a uma consulta de rotina. Apavorada com a presença de outros animais, tornou-se agressiva e dificultou o andamento dos exames.
– Ela já tinha medo. Quando via outros cachorros na rua, já puxava a coleira. Mas, como não tenho outros cachorros, eu não ligava – conta Natália.
Embora Sookie nunca tivesse chegado a fazer mais do que ameaçar, a veterinária sabia que o medo da mascote não era saudável, e que algo teria de ser feito. A solução encontrada foi levá-la para um treinamento na qual ela estivesse sempre em contato com outros cães. Em um mês, a dona já nota diferenças no comportamento da vira-lata, agora mais calma e sociável.
– Agora, a Sookie só tem medo de água, acho que é porque ela caiu em uma piscina quando era filhote – atesta Natália.
Cachorros como Sookie são dóceis e amáveis com o dono, mas se transformam completamente quando encaram seus medos.
– Quando o proprietário diz que o cão é bravo, costumo verificar a veracidade da informação. Os donos confundem muito a personalidade violenta com o medo – alerta o veterinário Fábio Gracia. Segundo o médico, são raros os casos de desvios de comportamento que causam a agressividade gratuita: quase sempre o cão tem algum motivo para ficar irritadiço.
– Se o proprietário começa a ter medo do cachorro, ele só vai reforçar esse comportamento. Daí o dono acaba se livrando do animal – critica.
Uma simples visita ao veterinário pode se tornar uma dor de cabeça quando o cachorro reage às suas fobias: o ambiente com pessoas estranhas, outros animais e objetos desconhecidos é um prato cheio para uma cena. O veterinário precisa então lançar mão de métodos como a contenção física ou mesmo a sedação.
– Costumo dizer que quanto mais trabalho o cachorro der, pior para ele e para o proprietário – ressalta Fábio.
Mas o drama na hora dos passeios e da consulta não é o pior dos problemas. O animal que vive sob condição de estresse pode desenvolver distúrbios como a lambedura acral (compulsão por mordiscar as extremidades do próprio corpo), queda de pelo e gastrite.
Para evitar o pior, o ideal é levar o animal para uma consulta com um adestrador, que irá descobrir qual fobia causa tanto sofrimento: a presença de estranhos, barulhos altos, certos objetos ou todas elas combinadas. Essas aversões podem ter origem genética ou serem adquiridas na fase inicial da vida. Mas apenas o medo aprendido pode ser eliminado por meio do adestramento — o animal que já nasce com o transtorno pode apenas tê-lo minimizado.
– Sabemos a diferença por meio de testes, pois nem sempre um cão medroso, que teve uma mãe medrosa, por exemplo, nasceu assim. Ele pode aprender isso com ela – esclarece o adestrador Pablo Weblan.
Até os 60 dias, os cães são profundamente afetados por influência materna, do meio em que vivem ou do tratamento que recebem. Para evitar o transtorno, o ideal é manter o filhote em um ambiente seguro, livre de barulhos e agressões. Mas, quando eles completam dois meses, a rotina se inverte: o cãozinho precisa passear, fazer exercícios e conhecer novos cachorros e pessoas.
Cachorros criados longe de qualquer estímulo costumam interpretar mudança de cenário como uma ameaça. Se, por exemplo, ao receber uma visita, o dono se apressa em recolher o cachorro nervoso e em acalmá-lo, o bicho entenderá que houve um motivo real para o comportamento agressivo. O ideal é não privar o mascote de seus medos nem protegê-lo. O proprietário pode expor o cachorro ao que o incomoda, mas permanecendo sempre ao seu lado.
– O medo é natural, mas se o dono poupa o cachorro por querer proteger um animal inseguro, ele fica submisso. Tem até cachorro que usa essa chantagem emocional para conquistar o dono e controlar a casa – alerta Pablo.